Política: a filosofia explica

26 de outubro de 2018 às 0h01

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Constituição | Crédito: Agência Brasil

Tilden Santiago*

Há dois fatos, no atual momento político do Brasil, cuja explicação desafia os intelectuais e a cabeça dos líderes: 1) Como explicar a explosão de apoio popular, espontâneo e pouco organizado ao candidato Jair Bolsonaro, sem a retaguarda de partidos como MDB, PSDB, e PT? 2) Como explicar a grande e crescente rejeição do PT? Desafio ainda maior é entender e dizer qual a relação verdadeira que existe entre os dois fenômenos sociais e culturais: a ampla aceitação de Bolsonaro e a rejeição inegável do PT.

Analistas, cientistas políticos e sociais, filósofos e jornalistas estão queimando as pestanas e não têm economizado afirmações. Dois textos de filósofos me chamaram a atenção pela profundidade, sendo normal que a filosofia consiga ir além das percepções do senso comum, pela lógica menor e além das limitações reducionistas do real, provocadas pelas paixões e por ideologias sectárias.

José Arthur Giannotti (88), filósofo aposentado da USP, escreveu que “forças ocultas da política terão que se civilizar – não se governa com ameaças e a vitória de Bolsonaro levará conservadores à moderação”. Segundo Karl Marx, a melhor maneira de analisar um problema é vislumbrar a sua solução. É o que faz aqui o mestre Giannotti, apesar de sua formação plural. Foi perseguido nos anos 60.

Já Marcos Nobre (53), filósofo da Unicamp (filho do ex-deputado Freitas Nobre), prefere atacar o problema no momento em que ele é vivenciado: “Haddad tem de ser o candidato de uma frente democrática, não do PT. O único caminho para o ex-prefeito é abrir mão do protagonismo petista e atrair adversários para o seu governo”. Ambos filósofos publicaram a íntegra de suas análises na Folha, 15 e 16 de outubro. Esse escriba a partir de Giannotti e Marcos Nobre oferece algumas reflexões.

Certas posturas não ajudam a entender o atual momento político. Por exemplo: não fazer um recuo histórico e só analisar as pesquisas dos últimos meses.

Outra limitação é partir de uma visão estática de bipolarização entre barbárie x civilização. Giannotti é muito pé no chão na descrição de cada candidatura. A boa lógica nos levaria a situar na contraposição da barbárie, não a civilização mas “não barbárie” – que nem sempre coincide com civilização.

Estando nosso País enchafurdado numa crise inédita, sem perspectivas de solução a curto prazo, na corrupção, no desemprego, na criminalidade, no desencanto, na desesperança, fica difícil pensar a volta do petismo sem autocrítica e com seus equívocos e incoerências como civilização.

A recusa de uma autocrítica da esquerda capitaneada pelo PT mostra que a crise do País (cuja responsabilidade maior é do PSDB, PT e MDB) nos impede de enxergar civilização na obra que aí está (em contraposição à barbárie de Bolsonaro). Só uma profunda refundação da esquerda poderia levar o cidadão comum a aceitar a bipolarização, barbárie x civilização. Os resultados das pesquisas estão aí para comprová-lo.

Nossa geração que soube tão bem superar as agruras da ditadura, vem fracassando na consolidação de um modelo político-econômico realmente democrático-popular. E não sei se as eleições de 2018 vão contribuir para uma mudança…

A problemática que hoje enfrentamos nos convida a refletir sobre suas raízes históricas: especialmente o acerto que foi para os setores conservadores, a “transição lenta, gradual e segura”, que não termine nunca.

Houve até mesmo um início de primavera democrática, que fomos tentando construir a duras penas, com avanços e recuos. O grande divisor de águas foi o Movimento das Diretas-já, derrotado no parlamento brasileiro, através da não aprovação. Vitorioso esse movimento, certamente a democracia teria vicejado com o vigor das forcas progressistas, assumindo os destinos da Pátria, logo após a queda da ditadura. Certamente sob a batuta de Ulysses Guimarães.

O pluripartidarismo, magnífica expressão de liberdade, não foi capaz de transformar em nova, a velha política e de erradicar a corrupção sistêmica na sociedade e no Estado brasileiro, impulsionando uma maior evolução no crescimento sustentável da economia. Já na aprovação da Constituição de 87/88, nossos líderes de diferentes cores ideológicas, especialmente Ulysses proclamavam solenemente: “Não roubar! Não deixar roubar! Meter na cadeia quem rouba!” Mas a realidade que se seguiu foi outra. E a Lava Jato a duras penas continua…

Tudo foi flexibilizado após a derrota das Diretas-já. A própria Constituição com todos seus avanços, nasceu de um Congresso Constituinte e não de uma verdadeira Assembleia Nacional Constituinte. Em uma democracia flexibilizada, relativa, sucederam: governo Sarney com pouca representatividade e crise, anistia relativa, governo Collor com impeachment, instauração de uma bipolaridade nefasta entre PSDB X PT (levando ambos, o MDB na garupa) e crises cíclicas na economia.

O sistema político-partidário recebeu algumas inovações com o surgimento de novas siglas, que infelizmente, não tardaram a ser engolidas pelo velho e carcomido jeito de fazer política. Nenhum partido se constituiu uma força motriz capaz de impulsionar a caminhada libertadora da Nação, face às investidas do capitalismo, hora selvagem, hora neoliberal, através de suas crises cíclicas, impostas aos ombros das classes populares.

A maioria das siglas nunca se propôs a libertar a nação brasileira. Algumas alimentaram essa esperança que se transformou em desencanto, por razões que um dia os historiadores descobrirão.

A política virou domínio do PSDB, PT e MDB (este se aliando oportunisticamente com quem chegava ao poder). Ao governo sim, porque este trio apenas sonhou em chegar ao poder!? E são justamente as forças ocultas deste poder, segundo Giannotti, que hora emergem na condução de Jair Bolsonaro ao Planalto. Impossível a meu ver, afirmar com certeza, o que seria o Brasil e a unidade de seu povo, qualquer que seja o resultado do segundo turno.
PSDB e PT – polos da bipolarização, são os grandes responsáveis, acolitados pelo MDB, do possível impasse político que o Brasil venha a enfrentar.

Alain Badiou, filósofo e psicanalista francês, estudioso e amante de nossa política contemporânea afirmava que nosso futuro no rumo de uma democracia popular dependia de um arranjo dos dois partidos que mais se destacaram com o pluripartidarismo: o PT (socialista?) se dedicando a fazer política na sociedade, junto à população, em sintonia com o PSDB (social-democrata?) que exerceria os poderes institucionais,
Parecia coisa de intelectual francês, vendo o Brasil lá da Europa. Mas talvez tivesse razão, ele, o autor da “politique sans parties”. Só que ele não imaginava que sua visão esbarrava na prepotência e arrogância de dois partidos, que mais do que o bem comum do Brasil, visaram os próprios interesses partidários na ocupação dos poderes da República.

À luz de Alain Badiou, dá para entender por que “forças ocultas”, através do movimento espontâneo e pouco organizado do povão brasileiro, estão prestes a conduzir os destinos do Brasil. Giannotti acredita que essas forças ocultas da política serão obrigadas a se civilizar. O filósofo acredita que a vitória levará os conservadores, no exercício do poder à moderação”. Inch Alla!

Em vez do arranjo harmonioso desejado por Alain Badiou, em prol do Brasil, PSDB e PT preferiram a luta cega dentro de uma bipolarização que durou duas décadas, tentando governar o Brasil. Com ambos a palavra, sobre o Bolsonarismo e a devida autocrítica deles mesmos.

* Jornalista e Embaixador

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